CONCERTO POÉTICO op. 8 on 12 TEXTS BY FLORBELA ESPANCA

Florbela Espanca, a poetess of strong lyrical feelings, was born in 1894 in Vila Viçosa, and died in 1930 in Matosinhos. Her poems  are the expressions of a woman with very strong emotions, internally tortured and fundamentally unsatisfied. Hardly anything of her work was published during her lifetime.  She ended her life out of despair. Now she is recognized as one of the most important poets of XX century Portuguese litterature


1 As almas dos Poetas

Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma pra sentir
A dos poetas também!

2 Exaltação

Viver!… Beber o vento e o sol!… Erguer
Ao Céu os corações a palpitar!
Deus fez os nossos braços pra prender,
E a boca fez-se sangue pra beijar!

A chama, sempre rubra, ao alto, a arder!…
Asas sempre perdidas a pairar,
Mais alto para as estrelas desprender!…
A glória!… A fama!… O orgulho de criar!…

Da vida tenho o mel e tenho os travos
No lago dos meus olhos de violetas,
Nos meus beijos extáticos, pagãos!…

Trago na boca o coração dos cravos!
Boémios, vagabundos, e poetas:
— Como eu sou vossa Irmã, ó meus Irmãos!…
3 Levanta os olhos do chão

Levanta os olhos do chão,
olha de frente para mim.
Fingindo tanto desprezo,
que podes ganhar assim?

Levanta os olhos do chão,
que podes ganhar assim.
Se Deus nos fez um para o outro,
porque foges de mim?

4 Amar!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui…além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar!Amar!E não amar ninguém!
Recordar?Esquecer?Indiferente!…
Prender ou desprender?É mal?É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó,cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar…

5 Li um dia, não sei onde

Li um dia, não sei onde,
Que em todos os namorados
Uns amam muito, e os outros
Contentam-se em ser amados.
Fico a cismar pensativa
Neste mistério encantado…
Digo pra mim: de nós dois
Quem ama e quem é amado?…

6 Verdades cruéis

Acreditar em mulheres
É coisa que ninguém faz;
Tudo quanto amor constrói
A incostância desfaz.
Hoje amam, amanhã ´squecem,
Ora dores, ora alegrias;
E o seu eternamente
Dura sempre uns oito dias!…
7 Onde estás ó meu amor?

Onde estás ó meu amor
Que te não vejo apar’cer?
Para que quero eu os olhos
Se não servem pra te ver?

Que m’importa a luz suave
Dos olhos que o mundo tem?
Não posso ver os teus olhos
Não quero ver os de ninguém.

8 Rasga esses versos que eu te fiz, amor!

Rasga esses versos que eu te fiz, amor!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!
Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada de um momento!
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!…
Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente…
Rasgas os meus versos… Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
Não fosse o mesmo amor de toda a gente!…

9 Desde que o meu bem partiu

Desde que o meu bem partiu
Parecem outras as cousas;
Até as pedras da rua
Têm aspectos de lousas!

Quando por acaso as piso,
Perturba-me um tal mistério!…
Como se pisasse à noite
as pedras dum cemiterio!

10 Noite de Saudade

A Noite vem poisando devagar
Sobre a Terra, que inunda de amargura …
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura …

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura …
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!

Por que és assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu sei donde me vem …
Talvez de ti, ó Noite! … Ou de ninguém! …
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!

11 Árvores do Alentejo

Horas mortas… Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a benção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
— Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

12 Ser Poeta


Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim…
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
E dizê-lo cantando a toda a gente!

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